Centro Paula Souza investe em IA na educação, com laboratórios, parcerias e novos cursos, preparando alunos para promover a inovação no mercado de trabalho
Tecnologia está sendo usada em projetos de diferentes áreas do conhecimento e em ferramentas de auxílio a docentes l Foto: Divulgação
Ela chegou sem que as pessoas soubessem direito do que se tratava, com cara de ficção científica, encantando alguns, assustando outros. Quando nos demos conta, já fazia parte da nossa vida, inserida nos aplicativos de celulares, nas timelines das redes sociais, nas propagandas da TV. A inteligência artificial (IA) veio pra ficar. Na educação, gerando uma extraordinária potência tanto para a aprendizagem quanto para a gestão educacional.
Não é de hoje, porém, que essa inovação faz parte do cotidiano das Escolas Técnicas (Etecs) e das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais. Em outubro de 2024, o Centro Paula Souza (CPS) realizou o 6º Fórum de Inteligência Artificial, evento que reúne especialistas da própria instituição e também profissionais de fora, para debater a inclusão de IA nos currículos. Naquela edição, o principal foco foi a aplicação da nova tecnologia, em especial nas áreas de agricultura e indústria. “Também mostramos como a IA está sendo usada no mercado de trabalho. Com mais de 150 participantes, havia até professores de educação física. Porque a IA, hoje, está em tudo”, avaliou Henrique Louro, coordenador de projetos responsável pela organização do Fórum.
Formação docente e impacto na sala de aula
Entre os destaques do encontro, alunos da Fatec Pompeia – Shunji Nishimura apresentaram o NemaVision, um dos projetos vencedores da 15ª Feira Tecnológica do Centro Paula Souza (Feteps), em 2024. Com uso de IA, os jovens desenvolveram um software para identificar fitoneumatóides em amostras de solo, uma praga que ataca a raiz das plantas.
As práticas pedagógicas mais estruturantes do CPS nesse campo estão concentradas no projeto Tecnologias Digitais, que abriga os laboratórios de IA e IoT (sigla em inglês para internet das coisas). Carlos Eduardo Ribeiro, coordenador de projetos da Unidade do Ensino Médio e Técnico (Cetec) explica que a iniciativa envolve diversas frentes. A primeira é a formação docente. No ano passado, 200 professores de Etecs e Fatecs foram capacitados em quatro trilhas de conhecimento: Data Analytics Essentials, Data Analytics – Business Intelligence, Architect Data Analytics e Data Analytics. Cerca de 3,5 mil estudantes foram impactados. “Para este ano, os alunos também receberão formação, nos mesmos conteúdos”, conta.
Tornar a IA objeto de estudo e ferramenta de trabalho dos estudantes em sala de aula é a segunda frente de atuação, que ocorre principalmente por meio do Laboratório de IA, criado em 2022. Participam três Etecs: Profª Maria Cristina Medeiros (Ribeirão Pires), Dr. Domingos Minicucci Filho (Botucatu) e Presidente Vargas (Mogi das Cruzes). As metodologias, experimentações e prototipagens desenvolvidas no laboratório são testadas, validadas e compartilhadas com outras unidades – que por sua vez aplicam e adaptam as soluções às suas realidades e vão colaborando para melhorar a experiência didática.
Parceria
Uma terceira frente de ação é feita em parceria com a empresa Intel. Além de capacitar professores, a empresa oferece oportunidades a alunos para impulsionar o uso de IA em sala de aula. “O CPS é o único parceiro da Intel no Brasil nesse nicho”, relata Ribeiro. Como fruto dessa parceria, em outubro de 2024, a Etec Profª Maria Cristina Medeiros e a Fatec de Registro lideraram a etapa nacional da quarta edição do Intel AI Global Impact Festival com projetos desenvolvidos no Laboratório de IA. Em 2023, a Etec de Ribeirão Pires venceu a etapa internacional da competição.
Atualmente, 15 alunos participam de cinco projetos extracurriculares no Laboratório de Tecnologias Digitais da Etec de Ribeirão Pires. Uma equipe do primeiro ano do Ensino Médio integrado ao Técnico em Informática para a Internet está desenvolvendo o Recolheaí, um conjunto de lixeiras “inteligentes”: uma câmera identifica o resíduo que vai ser jogado no lixo e automaticamente abre a tampa do recipiente correto para o descarte. Cíntia Pinho, responsável pelo laboratório juntamente com Anderson Vanin, conta que, em 2023, os alunos ganharam um prêmio internacional com um aplicativo de alfabetização para pessoas com mobilidade reduzida. Outro produto de IA que está movimentando a escola é o MiMiMi – uma espécie de “termômetro emocional para o bem-estar escolar”. Imagens e uma nuvem de palavras captadas por robô permitem fazer uma análise do que as pessoas estão sentindo naquele momento. “Com isso, é possível identificar os sentimentos de turmas, o clima na escola, e até prevenir situações de crise, como um clima de rixa entre alunos, por exemplo”, explica Cíntia.
IA aplicada ao agro
Na Fatec Taquaritinga, o foco é a área de ciências de dados aplicadas ao mundo do agronegócio, vocação daquela região. No final de 2023, foi criado o Núcleo de Aplicação de Inteligência Artificial (Naia), que hoje reúne 11 alunos em 8 projetos. Marcus Rogério de Oliveira, professor do curso superior de tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, relata que todos têm apoio de parceiros externos, o que promove a interação com o mundo real do trabalho.
Os estudantes já desenvolveram um modelo de medição de Açúcares Totais Recuperados (ATR) voltado ao plantio de cana-de-açúcar que atinge o índice de 99% de precisão. Agora trabalham em uma IA generativa para apoio ao agricultor familiar, treinada com dados da realidade local. A ferramenta, que está na segunda fase de desenvolvimento, vem sendo alimentada com um acervo robusto, que inclui programas de secretarias de governo. O usuário poderá obter desde dados técnicos sobre agricultura e pecuária até detalhes sobre linhas de crédito e benefícios públicos para o setor.
Profissionais para o futuro
Em fevereiro, a primeira turma do curso superior de tecnologia em Inteligência Artificial do CPS iniciou as atividades na Fatec Rio Claro, que oferece também o curso de Gestão da Sustentabilidade Ambiental, Social e Governança Corporativa (ESG).
“O curso de IA tem um modelo diferenciado, desenhado especificamente para aprofundar o conhecimento em tecnologias de ponta, como redes neurais, internet das coisas e aprendizado de máquina. Vai atender à vocação da região, que está recebendo muitas iniciativas que aliam Big Data e empreendedorismo”, conta Robson dos Santos, coordenador do Ensino Superior de Graduação.
Com duas mil horas, a serem cumpridas em dois anos, o curso foi instalado em um campus inteligente e utiliza uma metodologia 100% baseada em projetos. Empresas como Lenovo, Microsoft e Whirlpool, entre outras, são parceiras nas práticas pedagógicas, que visam resolver problemas reais das operações corporativas.
Tecnologia de apoio ao professor
O uso de IA para auxílio às práticas docentes também começa a ganhar as salas de aula. Apresentada no 6º Fórum de Inteligência Artificial, uma aplicação do ChatGPT desenvolvida por um professor de Etec permite fazer o planejamento de aulas, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Criada por Elzo Brito dos Santos, do projeto de implantação da Regionalização e professor de Desenvolvimento de Sistemas da Etec Cidade Tiradentes, a ferramenta está disponível gratuitamente para qualquer interessado, mesmo de fora do CPS. “Essa solução agiliza os processos, otimiza os fluxos, facilita a construção de plano de aula. Ao montar uma prova, por exemplo, define quantas questões colocar de quais temas, os diferentes graus de dificuldade, os tipos de respostas, se múltipla escolha, associação ou dissertação. Enfim, faz praticamente tudo. Porém, não pode se tornar uma muleta para o professor, que é um agente educacional indispensável. Ele é o responsável pela qualidade do ensino”, afirma Santos.
Outra ferramenta atualmente em uso pelas Etecs é a plataforma CRIA – Corretor de Redação com IA, que atribui uma nota baseada nos parâmetros do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), fornecendo uma avaliação automática sobre gramática, ortografia, coerência e coesão textual, análise de introdução, conclusão, estrutura dos textos escritos pelo aluno e ainda ajuda o estudante a melhorar suas habilidades por meio de um tutor inteligente.
O CRIA começou a ser desenvolvido em 2021, pela professora Cintia Maria de Araújo Pinho, responsável pelo laboratório de IA da Etec de Ribeirão Pires, que trabalhou com apoio de alunos. “A plataforma foi pensada e desenhada de acordo com as necessidades de professores e alunos”. Hoje, a plataforma é utilizada gratuitamente por 49 Etecs. A empresa que comercializa o produto tem uma equipe de cinco desenvolvedores, dos quais três são oriundos do CPS, dois ex-alunos que fizeram a pré-iniciação científica em um projeto da instituição.
Em 2024, foram cadastrados mais de 6 mil alunos e 66 professores. Cerca de 5 mil redações foram corrigidas, das quais 1,6 mil obtiveram nota acima de 800.
IA como objeto de pesquisa
A pós-graduação também incluiu a inteligência artificial entre seus objetos de pesquisa. A 19ª edição do Simpósio dos Programas de Mestrado Profissional (Simprofi), realizada na Etec São Paulo, no final do ano passado, pela Unidade de Pós-Graduação, Extensão e Pesquisa (Upep), teve como tema “O uso da inteligência artificial na educação profissional e em sistemas produtivos: desafios e práticas”. Um dos palestrantes convidados pelo Centro Paula Souza (CPS) foi o coordenador-adjunto dos Programas Profissionais da Área de Educação da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Nonato Assis de Miranda. “Foi uma honra receber um representante da Capes pela primeira vez no CPS”, disse Helena Gemignani Peterossi, coordenadora da Upep à época.