Abertura da Olimpíada marcou a posição de Paris como número um da moda e do luxo; professora do CPS conta como o país se mantém influenciando a estética no mundo
Heloisa Nóbriga, da Etec de Tiquatira, revela estratégias da moda na França | Fotos: Montesano sulla Marcellana, O.Horbacz, Rui Vasco
Dizer que Paris dita moda é mais do que simples força de expressão. A capital do luxo tem a seu dispor uma azeitada engrenagem que impele boa parte do planeta a usar o que for determinado por seus estilistas. Formada em Artes Plásticas, com mestrado e doutorado em Estética e História da Moda, a professora da Escola Técnica Estadual (Etec) de Tiquatira, da Capital, Heloisa de Sá Nóbriga detalha a formação da cultura de estilo parisiense.
“No século 17, Luis XIV, o Rei Sol, lançou uma série de medidas para fazer da França um país próspero e elitista”, conta Heloisa. Uma das atitudes foi criar grupos de exímios artesãos que trabalhavam exclusivamente para ele. Sob seu reinado foi construído (e posteriormente ampliado) um dos símbolos que levariam o selo do luxo à França: o Palácio de Versalhes, com seus famosos jardins. Luis XIV e seus sucessores deixariam marcado, cada um, o seu estilo de decoração, ainda em voga nos espaços mais tradicionais. A França começava a impor, de forma sistemática, sua primazia.
A Alta Costura surgiria em 1858, curiosamente, com um inglês, Charles Frederick Worth. “Baseada em Paris, a House of Worth voltou-se para uma produção artesanal com a intenção de atingir um público de maior poder aquisitivo”, explica a professora. “Worth criou estratégias, como aceitar apenas clientes indicados por outros clientes. Mais do que capital econômico, ele exigia capital cultural dos compradores”, enuncia. “Também foi o primeiro a colocar a sua etiqueta nas roupas para dar a elas status de obras de arte”.
Worth, assim como Luis XIV, foi um gênio do marketing quando essa atividade ainda não tinha um nome. “Worth escolhe moças da sociedade, sósias de mulheres que ele tinha como alvo para a sua Maison, e as convida a desfilar para ele. Na plateia estão suas futuras clientes que, assim, se veem nas roupas e podem observar o nível de detalhamento do trabalho do criador. Um de seus pupilos o sucederia nessa construção de estratégias rumo ao panteão do luxo: Paul Poiret.
Picasso, Poiret, Tarsila
“Amigo de Pablo Picasso (1881-1973), Poiret trouxe para o seu ateliê e seus desfiles as namoradas do artista, dando início a uma associação entre arte e moda que dura até hoje”, diz Heloisa. Segundo a professora, a tela Les Demoiselles d’ Avignon foi exposta pela primeira vez no ateliê do costureiro. Muitos dos artistas que deixaram suas digitais na Semana de Arte Moderna, na São Paulo de 1922, circulavam por Paris, entre os ateliês de arte e os de costura, como Tarsila do Amaral, que veste um modelo Jean Patou, contemporâneo de Poiret, em seu Autorretrato (Manteau Rouge), de 1924.
A Alta Costura tornou-se uma patente francesa por decreto, controlada juridicamente pela França. “Sob a Câmara Sindical de Costura, criada em 1868 (com outra denominação), quem pleiteia o título deve preencher uma série de requisitos, como apresentar duas coleções anuais, ter um número determinado de funcionários registrados, produzir manualmente ao menos 70% das roupas – e possuir sede em Paris”, conta Heloisa.
O número de clientes das Maisons não passa de 300 mulheres de sheiks árabes”, informa a professora. Para sustentar esse mercado vende-se a ideia, a aura de exclusividade em perfumes, acessórios e no prêt-à-porter (pronto para vestir) que as casas produzem. “A moda parisiense é patrocinada pelo governo francês, que decide com a Câmara Sindical o que vão propor para o mundo”, avisa a professora. “E também apontam quais são os novos criadores que merecem o investimento”.
Depois dessas reuniões, está dada a largada para que a indústria de mídia veicule o que foi decidido a portas fechadas. “Se o azul é a cor do ano, começará a aparecer em tudo, até o cinema criará mais personagem azuis”, diz Heloisa. “Assim, as pessoas se acostumam com a cor, que tomará conta das vitrines”.
Manter a balança equilibrada, mesmo que com o aval e o patrocínio do governo, é uma tarefa que exige a constante observação do zeigeist – o espírito do tempo. A professora explica como são necessárias tais manobras: “o dinheiro mudou de mãos”, lembra. “Atenta ao surgimento dos influenciadores, com muito dinheiro e sem capital cultural, as Maisons hoje se associam às marcas esportivas, conhecidas das novas gerações, ao grafite e à arte dos museus ou das ruas”.
Primazia da estética no mundo
Em maio de 2022, a grife Balenciaga lançou uma linha de tênis totalmente destruídos, com aparência de algo que já não merece um lugar no armário, e sim no lixo. Só para lembrar, o espanhol Cristóbal Balenciaga (1895-1972), que apresentou sua primeira coleção de Alta Costura em 1937, atendia a uma clientela tão rica quanto discreta. Grifes como Schiaparelli, Chanel e Dior, além de Balenciaga, já dividiam o pódio do segmento desde os anos 1930. Manter marcas quase centenárias requer atenção, poder e muito dinheiro.
“Todos os movimentos são orquestrados para garantir que a França mantenha a primazia mundial da estética”, diz Heloisa. Esse poder ficou evidente durante a Segunda Guerra Mundial. “Como resposta às investidas de Adolf Hitler, que pretendia levar para a Alemanha a capital da moda, a Alta Costura se tornou Patrimônio Cultural da França, o que lhe garante proteção governamental”.
A abertura da Olimpíada de Paris, no dia 26, deixou clara, mais uma vez, a posição francesa nesse mercado e teve como um dos principais patrocinadores a LVMH (Möet Hennessy Louis Vuitton), conglomerado de luxo no qual a moda está inserida e que tem à frente Bernard Arnault, detentor do terceiro lugar entre as maiores fortunas pessoais do mundo, atrás de Jeff Bezos e Elon Musk.
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