Projetos literários, clubes de leitura e publicações autorais incentivam a criatividade e ampliam o interesse pelo mundo dos livros e da escrita nas Etecs e Fatecs
Lavínia Quintino começou a escrever na pandemia e lançou livro com apoio de professores da Etec Benedito Storani l Foto: Jack Milani
O prazer da leitura e da escrita está ganhando cada vez mais protagonismo nas unidades do Centro Paula Souza (CPS), com a realização de concursos literários, criação de clubes de leitura e incentivo à publicação de produções autorais e acadêmicas. Nesta sexta-feira (25), data em que é celebrado o Dia do Escritor, conheça histórias de personagens que inspiram novos talentos por meio da literatura e da educação.
A escritora Lavínia Quintino é um dos exemplos. Publicou seu primeiro livro de poemas enquanto cursava o Ensino Médio Integrado ao Técnico em Química, na Escola Técnica Estadual (Etec) Benedito Storani, de Jundiaí. Intitulada As Partes Amassadas em Mim, a publicação foi lançada em 2023 com apoio da comunidade acadêmica.
A estudante começou a escrever durante a pandemia, como uma forma de lidar com as emoções, mas foi na Etec que ganhou coragem para mostrar seus textos. “Meus professores incentivaram muito e me ajudaram a acreditar que aquilo poderia se transformar em um livro”, conta. O processo envolveu orientações, revisões e planejamento do lançamento.
A bibliotecária da unidade, Maiara Durante, ajudou a organizar a atividade e mobilizar a comunidade acadêmica. Professores também tiveram papel importante, como Graça Faustino, uma das primeiras a apoiar o projeto, e Fábio Storani, que passou a divulgar a obra entre os colegas. “Ele leu, gostou e até andava com o livro para cima e para baixo na escola. Foi incrível ver esse reconhecimento”, lembra Lavínia.
O lançamento marcou a jovem escritora: “Eu vi que existia mais gente como eu, que se inspirava nas mesmas coisas. Foi o dia em que me realizei não só como escritora, mas como pessoa.” Depois disso, outros estudantes começaram a manifestar o desejo de escrever. “Vários colegas vinham me contar que também escreviam ou me mandavam mensagens dizendo que se identificaram com os poemas. Foi recompensador. Percebi que meus textos causavam impacto na vida das pessoas.”
Hoje, Lavínia cursa Letras na Universidade de São Paulo (USP). A estudante continua escrevendo e ressalta o papel da escola na sua formação: “A Etec me deu estrutura, responsabilidade e espaço para explorar outras áreas. A escrita foi parte disso”.
Histórias infantis e formação afetiva
Na Faculdade de Tecnologia do Estado (Fatec) Baixada Santista – Rubens Lara, a professora Vanina Carrara Sigrist também constrói uma trajetória como escritora. É autora de dois livros infantis, De quem é a rua? (2021) e Desejo de Estrela (2024), inspirados em histórias contadas para o filho pequeno.
Desde a infância, Vanina já demonstrava interesse por palavras e ensino: escrevia diários e poemas, ilustrava suas páginas com desenhos e brincava de professora com uma lousa e giz. A escolha pela graduação em Letras, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), seguida de mestrado e doutorado, consolidou essa relação com a linguagem e a educação.
Com a entrada na carreira acadêmica e a atuação no CPS, a escrita ficcional ficou adormecida por um tempo, até ser despertada novamente pela maternidade. “Ser mãe reacendeu minha vontade de escrever. As histórias vinham no improviso, mas comecei a registrá-las e trabalhar nos conteúdos com mais atenção. Foi um processo afetivo e também técnico”, explica. As narrativas que contava oralmente ao filho na hora de dormir passaram a ser reescritas com cuidado, ganhando elementos como personagens, reviravoltas e desfechos estruturados.
Segundo Vanina, a experiência como escritora ampliou sua atuação para além do ambiente acadêmico. Ela destaca o aprendizado sobre o processo de produção editorial, desde a importância das ilustrações até o papel fundamental dos editores, além dos desafios da divulgação de livros no Brasil. “Cativar crianças para que se entusiasmem por livros coloridos em papel é uma missão complexa, que depende da parceria de pais, responsáveis e professores”, afirma.
Esse trabalho também impacta diretamente sua relação com os alunos da Fatec. Vanina conta que os estudantes demonstram curiosidade sobre o processo de criação e publicação, o que contribui para aproximar o universo da escrita do cotidiano escolar. “Muitos alunos nunca haviam visto um professor que também fosse escritor. Isso cria pontes e ajuda a naturalizar o ato de escrever, mostrando que todos podem desenvolver essa habilidade.”
Para a professora, escrever é mais do que uma atividade solitária, é uma forma de criar vínculos: “Sinto que meus livros fortalecem meu laço com meu filho, com os alunos e com todos os leitores, pequenos e grandes.”
Clube do livro e novas vozes criativas
Na Fatec Baixada Santista existem outras ações que estimulam o gosto pela leitura e a produção criativa entre os alunos. Desde 2022, a professora Cybelle Crane coordena concursos literários, saraus e um clube do livro, envolvendo estudantes de diferentes cursos e turnos.
O clube do livro surgiu no centro de línguas da unidade e conta com encontros mensais, sempre mediados pelos próprios estudantes. As obras são escolhidas por votação e a ambientação dos eventos, como cartazes e mesas de café da manhã, também é organizada por eles. A leitura de autores como Kafka, Machado de Assis e Mary Shelley passaram a fazer parte da rotina dos estudantes. “Os alunos gostam de participar, sugerem os títulos, cuidam dos detalhes e se reúnem para conversar sobre os livros”, diz Cybelle.
A iniciativa gerou resultados concretos: alguns estudantes começaram a escrever seus próprios textos, buscaram oficinas de escrita criativa e demonstraram interesse em publicar. Em 2024, um concurso de poesia realizado na Fatec registrou mais de 100 inscritos. Além disso, em outubro, quando está prevista mais uma edição do sarau, o aluno Matheus Alexandre Lourido Pontes lançará, com o pseudônimo Malp Parcosmos, o livro Sonhos de Seden, uma obra do gênero fantasia.
Produção textual e visibilidade acadêmica
Na Fatec São Paulo, localizada no bairro Bom Retiro, na Capital, a professora Deborah Gomes de Paula desenvolve ações para estimular a publicação de textos de alunos do curso superior de tecnologia em Produção Cultural. A proposta vai além da entrega do trabalho de conclusão de curso (TCC), transformando os projetos finais em pontos de partida para publicações digitais, artigos científicos, capítulos de livros e apresentações em eventos.
A professora destaca que a ideia é tornar o TCC mais do que uma obrigação para se formar. “É uma oportunidade de contribuir com o campo de estudos, de se posicionar como autor”, afirma. Deborah criou manuais internos para ajudar alunos e colegas a formatar os trabalhos para publicação, com orientações práticas sobre normas técnicas, adaptação de linguagem e canais de divulgação.
A iniciativa já rendeu frutos como, por exemplo, a publicação do livro O valor social da ‘face’ na interação comunicativa – as estratégias de polidez nas culturas brasileira e chinesa. De autoria da professora, em parceria com as alunas Luyara Rodrigues de Almeida Mariano e Paula Gonçalves de Brito, a obra é resultado de um projeto de iniciação científica.
Deborah organiza, também, grupos de ex-alunos, por onde compartilha editais, chamadas abertas e oportunidades de publicação gratuita. “Eu quero que eles percebam que escrever também é uma forma de produzir cultura. Mesmo quando o trabalho é técnico ou aplicado, tem um valor intelectual que merece ser compartilhado”, comenta.
Há outras iniciativas que aproximam os estudantes da produção escrita. Um exemplo foi a parceria com a Biblioteca Mário de Andrade, inicialmente prevista como visita técnica. Alunos do segundo semestre do curso passaram a refletir, com o suporte de Deborah e da professora Vanessa Licori, sobre critérios e etapas da produção científica, o que os ajudou a reorganizar o processo investigativo e estruturar a experiência de campo de forma mais consistente.
Como resultado, os estudantes produziram três artigos com diferentes abordagens a partir das visitas à biblioteca. Os textos estão sendo preparados para publicação em livros e revistas acadêmicas. “A intenção foi mostrar que a produção teórica e a aplicação prática podem caminhar juntas. Os alunos podem, sim, transformar essas experiências em produção de conhecimento”, finaliza.