Estudantes de quatro Etecs tomam posse na Câmara Municipal

Selecionadas no programa Parlamento Jovem, alunas participarão de uma sessão em que vivenciam a defesa dos projetos de lei criados e desenvolvidos por elas

17 de outubro de 2022 9:06 am Etec, Projetos

Pelo projeto Parlamento Jovem, as alunas tomarão posse no dia 17 e, no dia 21, defenderão seus projetos de lei. Foto: João Raposo/Rede Câmara

Nesta segunda-feira (17), 55 alunos do Ensino Médio de várias regiões da Capital tomarão posse, em sessão solene, na Câmara Municipal de São Paulo – quatro deles são de Escolas Técnicas do Estado (Etecs). Após a cerimônia, eles começam a se preparar para participar, na sexta-feira (21), da sessão plenária em que defenderão Projetos de Lei (PLs) originais, elaborados segundo as regras da Casa Parlamentar. Os eventos fazem parte do programa Parlamento Jovem – Vereador Dr. Farhat, criado em 2001 para alunos do Ensino Fundamental e orientado também para o Ensino Médio a partir de 2019.

Com participação majoritariamente feminina – 64% dos dos alunos selecionados – os alunos das escolas estaduais e municipais públicas e privadas de São Paulo elegem, no lugar de partidos políticos, o tema mais adequado ao PL a ser proposto (Educação, Saúde e Assistência Social foram os preferidos pelos estudantes selecionados, metade deles vinda de escolas públicas). Uma comissão formada na Câmara analisa os projetos enviados pelas escolas – apenas um por unidade escolar – e escolhe até 55 para serem expostos em uma sessão da Casa.

Educação, Segurança Urbana, Saúde e Assistência Social foram os temas escolhidos pelas alunas Letícia Cristina Gandarez Resina, Eduarda Góes Sá Telles Lopes, Fernanda Bezerra da Silva e Talita Santana dos Santos. No dia 21, ao lado de representantes de outras escolas, elas terão dois minutos e meio para defender suas ideias, descritas com todos os componentes de um PL: a ementa (resumo da lei proposta), o texto normativo (artigos, parágrafos, incisos e alíneas que definem o âmbito de aplicação da lei) e a justificativa, ou seja, o motivo que levou o estudante a fazer essa proposta.

Um freio na discriminação

Letícia sentiu o racismo doer desde cedo. Ainda pequena, presenciava a discriminação, mas não sabia ainda o que significava nem que tinha um nome. Pensando em todas as pessoas que são vítimas de racismo, escreveu um PL com o intuito de abolir o preconceito por meio da educação.

Em memória da avó negra, a quem ela era tão apegada, a estudante elaborou um PL colocando a educação contra o racismo. Pelo seu projeto, escolas municipais, do Ensino Fundamental ao Médio, teriam, em sua grade curricular obrigatória, atividades ministradas por minorias – lembrando que, para o Ensino Fundamental, as atividades teriam um caráter mais lúdico. “É tudo muito estereotipado. Fico indignada quando vejo o Dia do Índio ser comemorado com pessoas de rosto pintado e penas no cabelo”, revela a estudante.

Seguindo esse PL, caberia aos indígenas fazer explanações sobre a sua cultura, por exemplo. Cursando o 3º ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Desenvolvimento de Sistemas na Etec Prof. Basilides de Godoy, na Vila Leopoldina, ela acredita que seria uma forma de ensinar a história do Brasil por meio dos povos que não tiveram a sua memória devidamente registrada. “O povo brasileiro não tem o hábito de estudar e de aprender com os seus erros”, diz Letícia, ciente do poder transformador da educação. “Adoro a Etec, fui bolsista durante toda a vida. Sei que a educação abre muitas portas, porque vem abrindo para mim,” avalia.

O orientador da estudante nesse trabalho, Luiz Carlos Ribeiro da Silva, lembra que, em 2021, a Etec Prof. Basilides de Godoy também teve um PL defendido na Casa Legislativa. Mas, por causa da pandemia de Covid-19, nesse ano não houve uma cerimônia. Ribeiro acredita que todos ganham com o programa. “Essa iniciativa mostra ao estudante como se constituem as leis enquanto professores e parlamentares dispõem de um termômetro do que o jovem tem a dizer sobre a cidade”, afirma.

Documento para os assentados

Talita gosta de política, mas “da política aplicada ao dia a dia”. Não à toa ela cursa o 2º ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico com Habilitação em Serviços Públicos na Etec Prof. Camargo Aranha, na Mooca. Uma política do dia a dia pode ser entendida como a solução prática de problemas que afetam uma parte considerável da população – as pessoas para as quais poucos olham atentamente. “Quem vive em assentamentos urbanos e albergues não tem acesso aos serviços públicos”, reflete a jovem, que optou pelo partido Assistência Social. “São pessoas que não podem ter sequer uma carteirinha de biblioteca.”

Ela propõe um cadastro provisório para essas pessoas, apontando o bairro e marcos conhecidos da cidade como o referencial de endereço. Talita não economiza elogios aos professores que a ajudaram no processo de elaboração do PL, entre eles José Luiz Thomaz e José Alves de Campos. “O projeto da Talita nasceu no ano passado, mas ainda não estava maduro para conquistar uma vaga no Parlamento Jovem”, conta José Luiz. O professor se entusiasma com a qualidade dos trabalhos apresentados pelos alunos. “Os que não foram selecionados para ser enviados à Câmara serão apresentados aqui na Etec. Vamos continuar propondo ideias”, garante.

Assistência na cracolândia

Eduarda levará ao plenário um projeto pelo partido Segurança Urbana escrito a doze mãos. Aluna do 2º ano do Novotec de Serviços Jurídicos da Etec Dra. Maria Augusta, em Campos Elíseos, a estudante, que contou com a orientação de Soraya Aparecida Mariano Paz, expõe seus argumentos com muita segurança. “É responsabilidade do município prestar assistência a essas pessoas”, afirma. “É preciso fazer um diagnóstico das áreas em que elas se concentram e, a partir daí, instalar clínicas especializadas.”

Ciente da polêmica em torno da internação compulsória, ela sugere uma abordagem em que o acolhimento seja a principal orientação. Eduarda, ao lado dos seus colegas de equipe, faz também uma distinção entre seu projeto e o trabalho realizado no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), órgão governamental que trata pessoas com distúrbios psicológicos. “Não dá para reunir dependentes de crack com quem apresenta um quadro de depressão”, analisa Eduarda. “Se o município não tem como obrigar os dependentes químicos a aceitar o tratamento, ao menos pode acompanhá-los mais de perto”, conclui.

Saúde da população LGBTQIAP+

Fernanda, aluna do 3° ano do curso de Logística da Etec Jaraguá, carrega a bandeira do partido Saúde, com uma proposição que coloca em foco a população LGBTQIAP+. Assim como a Etec Prof. Basilides de Godoy, a Etec Jaraguá também participa pela segunda vez do programa, e Fernanda já vem trabalhando desde o ano passado na ideia de concentrar várias normas em lei. O texto combina acolhimento e combate ao preconceito a que esse grupo está sujeito – única forma de garantir ações efetivas. A primeira medida a ser tomada trata da adoção do nome social na ficha do paciente travesti e transexual em postos de saúde. “A discriminação torna o tratamento de saúde dessa população ainda mais difícil”, pontua.

A criação de um aplicativo que permita ao usuário avaliar o atendimento do profissional da saúde também foi pensado pela estudante, bem como políticas formação continuada dos profissionais da área, medida que ajudaria a atenuar o preconceito. Ela sabe que a mentalidade de boa parte das pessoas só agora começa a ficar mais aberta. Raphael Gimenez, que a orientou ao longo de sua pesquisa e formatação do PL, concorda. “Não faz muito tempo que uma pessoa homossexual era encaminhada para tratamento em clínica de saúde mental”, lembra o professor. “O dever do município, hoje, é entender as patologias específicas que acometem o público LGBTQIAP+ e fazer o atendimento adequado.”

Os Projetos de Lei levados à Câmara pelo Parlamento Jovem devem ter um bom texto, mostrar a sua relevância para o município e comprovar sua possibilidade de aplicação. As quatro alunas não apenas preencheram todos os requisitos, como mostraram um olhar atento ao que a palavra alemã zeitgeist denomina como espírito do tempo.

Publicação realizada de forma retroativa em respeito à legislação eleitoral.
Conteúdo elaborado entre 2 de julho de 2022 e o término da eleição estadual de São Paulo.

Compartilhe


Veja também