Diante da pandemia, fomos obrigados a nos superar, a nos reinventar e a descobrir novas capacidades e habilidades – como estudar com mais autonomia e desfrutar melhor dos benefícios da tecnologia
Alunos de Etecs e de Fatecs superam as barreiras do isolamento social e se dão bem nos estudos em casa l Fotos: divulgação
Covid-19 à parte, não é de hoje que milhões de brasileiros fazem cursos a distância, em especial no nível superior. Segundo o Censo 2018 da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram oferecidas, naquele ano, 7,1 milhões de vagas a distância, contra 6,3 milhões de vagas presenciais. Um crescimento de 52,44% em relação a 2017.
Em 2020, ano que será marcado na história mundial, os alunos do Centro Paula Souza foram obrigados a vivenciar essa realidade de aprendizagem remota, de uma hora para outra, como forma de preservar sua saúde. A boa surpresa foi que, assim como angariou adeptos em todo o País, a “escola virtual” está se revelando uma experiência bastante rica nas Escolas Técnicas (Etecs) e nas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais. Não que não haja desafios. E não são poucos. E não são fáceis. Mas há também ganhos que vão ser incorporados para toda a vida acadêmica e até profissional desses estudantes.
Começo difícil
Aos 40 anos, pai de família e trabalhador, Aislam Jordani Caldas pensou em desistir do curso técnico de Mecânica, na Etec Aristóteles Ferreira, em Santos. Acostumado a viajar todos os dias de moto até a escola, a 15 km de sua casa, ele achou que não seria capaz de ter disciplina necessária para ficar sentado na frente de uma tela. Na primeira semana, não foi fácil acompanhar as palestras nas masterclasses. Por sorte, dividiu sua angústia com o professor Lindionete Verderi Rodrigues. “Agradeço imensamente a solidariedade e a compreensão que ele teve. Deu a maior força para eu insistir mais um pouco. Concordei e, quando começaram as aulas relacionadas ao meu curso, tratando de temas do meu interesse, tudo mudou”, conta.
Hoje, mesmo sem ter obrigação de acompanhar a aula no horário, com possibilidade de resgatar os conteúdos na plataforma virtual, Aislam não perde uma aula: “Acho que estou me saindo muito bem. Descobri que na empresa onde trabalho eles também usam o Teams. Até troco informações com meus colegas e supervisor sobre as funcionalidades do aplicativo”.
Ajudar quem estava com dificuldade foi também a preocupação de Kely Pupim, 41 anos, aluna do curso superior tecnológico de Gestão Comercial da Fatec Assis. Funcionária da Secretaria Estadual de Educação, ela já utilizava plataformas digitais no trabalho, mas não conhecia o Teams, da Microsoft. “Na primeira semana, tivemos tempo para explorar as ferramentas. E nós, os que tivemos mais facilidade, acabamos ajudando os colegas. Agora, todos já se adaptaram e melhorou muito a interação da turma”, diz.
Para encarar o novo desafio, Vinícius Mattos Diegues, de 17 anos, contou com a vantagem de já estar familiarizado com o mundo da tecnologia. Aluno do terceiro ano do curso técnico de Informática na Etec Aristóteles Ferreira, ele reconhece que, mesmo sendo da área, achou tensos os primeiros dias de aula remota. “Era uma ferramenta nova, que a gente nunca tinha usado, com muita informação para assimilar”, lembra. O ponto positivo, ressalta, é que “a plataforma é boa, permite montar equipes, o chat é de uso fácil e consegue reunir vários alunos na mesma chamada”.
Como estratégia para vencer as barreiras, ele sugere a sua própria experiência, bem-sucedida: “O segredo é fuçar, fuçar, fuçar! Sem medo. Foi o que fiz, e fui descobrindo as coisas. Se der erro, desinstala o aplicativo e instala de novo. É simples fazer isso e vale a pena tentar, no começo, para depois ficar tranquilo, dominando a ferramenta para acompanhar o dia a dia”.
Foco na tela
Mais do que de encarar a nova tecnologia, Giovanna Alice Souza Moda, de 15 anos, tinha medo de não conseguir se concentrar, de não ter foco na aula a distância. Ela confessa que já era totalmente dispersa, mesmo no presencial. Cursando o segundo ano do Ensino Médio e o primeiro módulo do técnico de Açúcar e Álcool na Etec Professor Armando José Farinazzo, de Fernandópolis, a estudante nunca tinha tido uma aula online. Mas seu medo não tinha fundamento. Ao contrário, para sua surpresa, hoje se considera até mais aplicada: “Na escola, tinha um monte de coisas pra me distrair. Um falava daqui, outro brincava dali. Agora, eu só tenho que prestar atenção na aula. Anoto tudo que o professor fala”.
Difícil desviar a atenção até porque, como diz Ana Carolina Flores R. da Silva, 34 anos, aluna do técnico de Mecânica na Etec Aristóteles Ferreira “o professor está literalmente na sua orelha”. No caso dela, a situação é ainda mais complicada. Estudante e professora – dá aulas na rede pública –, Ana Carolina mora numa casa com seis pessoas. Divide o desktop pacificamente com mais dois irmãos e com os pais, que estão em teletrabalho. “Na minha hora de estudar, me tranco no quarto do meu irmão, onde está o computador, e consigo me concentrar”. Quando os demais têm tarefas mais urgentes, ela assiste as aulas no celular.
Giovanna elegeu como sua nova “sala de aula” um lugarzinho especial da casa: a varanda. É ali que espalha seus materiais sobre a mesa e conecta o celular à plataforma de aprendizagem, das 7h30 às 12 h, para o primeiro turno do dia; e das 19 às 23 horas, para o segundo. Durante a tarde, faz as atividades das disciplinas, estuda e descansa. É verdade que sente falta da turma. Não está mais rodeada pelos amigos, com quem conversa no grupo do Teams, ou por Whatsapp. Mas ela não está sozinha na sua jornada de estudo. Sempre a seu lado, a cachorrinha Akira, fiel companheira, não perde nem uma aula.
O que é bom vai ficar
Representante de sala, bastante crítico e participativo, na avaliação de seus professores, Thiago Marcelino da Silva, 17 anos, aprovou a nova modalidade de ensino. Aluno do terceiro ano do técnico de Logística integrado ao Médio, na Etec Bartolomeu Bueno da Silva – Anhanguera, em Santana do Parnaíba, ele destacou, como pontos positivos, a ‘escolha acertada’ da plataforma virtual, que considera muito funcional, e o ‘suporte legal’ dado pelos professores e pela instituição. “Foi melhor do que eu pensei, tínhamos professores preparados e na hora certa em cada equipe”,
Outra boa mudança observada por Thiago foi no relacionamento entre sua turma. “É claro que nada substitui o contato pessoal. Mas, de alguma forma, parece que o professor ficou mais próximo da gente. Você vê onde ele vive, o cachorro late, a gente dá risada… Colegas que não se manifestavam na classe, tinham vergonha de perguntar, agora interagem bastante no chat”, conta.
Essas boas práticas vieram para ficar, acredita Carolina de Santis Rogério, 21 anos, do curso de graduação tecnológica de Gestão de Produção Industrial na Fatec de Jaú. E ela entende do que fala, pois trabalha, junto com uma professora, em uma pesquisa sobre uso de tecnologia na Educação. “Para mim, está sendo um prato cheio observar o que funciona no ensino remoto”, relata. A estudante sente que, no virtual, as aulas rendem mais, pois há menos dispersão do que no presencial.
Em sua opinião, seria muito produtivo que a escola assimilasse e mantivesse o uso permanente dos recursos disponibilizados neste momento de exceção. “As aulas online podem apoiar, por exemplo, um programa de reforço extraclasse. Ou ser uma alternativa a situações em que o professor está doente, não pode vir à escola”, exemplifica.
Sem dúvida, muitos dos desafios impostos pela pandemia vão resultar em aprendizados. Por isso, é fundamental que, nesse processo de adaptação e exploração de novas capacidades, docentes e discentes tenham sempre em mente a pergunta: o que aprendemos com as aulas online? Além de garantir a continuidade dos estudos, em tempos de isolamento social, o ensino remoto, mediado por tecnologia, pode mudar a visão de estudo das pessoas e contribuir para transformar para melhor as salas de aula presenciais.
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