Neste momento, a ordem é estudar a distância. Mas nem tudo pode esperar o final da quarentena. Saiba como os animais e as plantações estão sendo mantidos para garantir a continuidade dos cursos rurais
Na Etec de Vera Cruz, alguns alunos ficaram na escola durante a quarentena para ajudar no cuidado com animais l Foto: Divulgação
Recesso, teletrabalho, aulas remotas. O Centro Paula Souza (CPS) está adotando todas as precauções determinadas pelo Governo do Estado de São Paulo para preservar a saúde de sua comunidade, enquanto assegura as melhores condições de ensino possíveis nas Escolas Técnicas (Etecs) e nas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais. Para cumprir o necessário isolamento social, continuam fechados os escritórios administrativos, as salas de aula, os laboratórios.
Mas… e se os objetos de estudo ou de trabalho vivem em uma fazenda, precisam ser alimentados duas vezes por dia, medicados e assistidos em um parto, por exemplo? Ou se precisam de rega, poda, cuidados no armazenamento e devem ser distribuídos para abastecer a comunidade? Essa é a realidade das Escolas Técnicas agrícolas e das Faculdades de Tecnologia que têm cursos na área de agropecuária. Nesses campi, muitas vezes instalados dentro de fazendas, os estudantes aprendem com a mão na massa, lidando com as criações e as plantações – que, felizmente, não são alvos da Covid-19, porém, dependem da unidade para sobreviver.
Na Etec Eng. Agrônomo Narciso de Medeiros, de Iguape, por exemplo, os alunos estavam prestes a fazer a tarefa de plantio de hortaliças, quando as aulas foram suspensas. “Para não perder as mudas, doamos a pequenos agricultores familiares da região do Vale do Ribeira”, conta a diretora, Adriana Nunes Medroni. O alojamento, que abriga 50 residentes, hoje está vazio, todos voltaram para suas casas. “Mas a escola continua viva”, diz Adriana. A fazenda abriga bovinocultura, suinocultura, piscicultura, avicultura, viveiro de hortaliças e viveiro de árvores nativas.
Quatro funcionários permaneceram na ativa, em rodízio – para reduzir o contato, dois a cada dia, um cuida dos animais, outro da plantação. A estratégia adotada foi a de reduzir ao máximo o trabalho braçal. Assim, alguns porcos foram vendidos. Aquilo que está plantado continua a ser colhido e vendido pela cooperativa-escola, responsável pela comercialização do excedente de produção pedagógica – mas não estão sendo feitos novos plantios. E, para a felicidade dos bezerros, como a produção de leite é pequena, tem finalidade apenas didática, a ordenha foi substituída por mamadas – um jeito de evitar que as vacas desenvolvam mastite sem necessidade da intervenção de um funcionário.
A natureza não para
Já na Etec Augusto Tortolero Araújo, de Paraguaçu Paulista, há um plantel de 70 cabeças, entre vacas adultas e bezerros. A produção chega a 140 litros de leite por dia, vendidos regularmente para um laticínio local, que atende à comunidade. “Uma parte nós processamos para fazer doce de leite e queijo. Mas agora o Laboratório de Agroindústria teve de ser fechado. Então, precisamos vender tudo”, conta a diretora Mércia Cristina Bini. Dois funcionários da cooperativa-escola se revezam no dia a dia, com apoio do gestor da fazenda, Lothar Alexandre Sartori Blum, que é zootecnista, engenheiro agrônomo e professor da Etec.
A avicultura, de corte e de postura, também foi afetada pelo recesso: cerca de 500 aves foram comercializadas. “Com o quadro reduzido, não tínhamos como colher, limpar ovos todos os dias, e fazer a venda. Quando voltarem as aulas, vamos ter comprar mais galinhas”, diz Mércia. Dentro da mesma lógica, foram vendidos os leitões. O gestor explica que a escola trabalha com um lote de dez fêmeas: “Tem de alimentar, higienizar, fazer a medicação. A natureza não para. As porcas continuam parindo. Neste momento mesmo temos uma fêmea com 13 filhotes. No final de maio nasce mais um tanto”. Os que dão menos trabalho são os carneiros, que deixaram de receber ração e passam o dia muito à vontade, só na pastagem.
Toda essa lida com os animais e a plantação recebe a ajuda, na Etec Paulo Guerreiro Franco, de Vera Cruz, de três estudantes que se dispuseram a ficar na escola para colaborar. “Os alunos gostam muito da escola. Têm um senso forte de colaboração. Quando soubemos que as aulas seriam suspensas, vários se prontificaram a permanecer no alojamento”, relata a diretora Sônia Maria Valsecchi Ribeiro de Souza.
Os estudantes fazem aula online das 7h30 às 15h45. Depois disso, seguindo todas as recomendações de segurança, com distanciamento e uso de máscaras, ajudam recolhendo os animais e fazendo o último trato. No final de semana, quando não têm aula, podem colaborar também na ordenha. Sônia acredita que a experiência está sendo positiva: “Eles estão responsáveis por algumas tarefas, sempre sob supervisão do professor, naturalmente. Mas isso traz a eles mais responsabilidade e comprometimento”.
Na Fatec Pompeia, os cursos superiores de tecnologia de Mecanização em Agricultura de Precisão e Big Data no Agronegócio dispõem de uma fazenda de 82 hectares, 20 dos quais destinados ao cultivo. A produção inclui milho, café, trigo, aveia. Funcionando em parceria com a Fundação Shunji Nishimura, a faculdade conta com a infraestrutura da fundação para a manutenção. No entanto, os alunos precisam cuidar de seus experimentos e pesquisas, que não podem ser abandonados. Para essas tarefas, eles estão cumprindo um protocolo de segurança, com uso de equipamentos de proteção individual. “Estamos trabalhando com uma escala, para não juntar as pessoas. Os estudantes são acompanhados por um professor para fazer a observação, a medição e o que mais for necessário. Depois voltam para casa”, relata o diretor Carlos Otoboni.
Assim, como em todas as unidades, nas agrícolas as aulas foram retomadas, no modo virtual. Porém, o dia a dia nas áreas de criação e cultivo teve de ser ajustado, sem sofrer interrupção das atividades essenciais. Afinal, quando os alunos voltarem, deverão encontrar seus laboratórios naturais preservados e prontos para novamente colocar a mão na terra e sentir o cheiro dos rebanhos.