Nas Etecs, atividade física é usada para atenuar ansiedade

Estudos mostram que isolamento necessário para combater a Covid-19 provocou efeitos negativos nos alunos; para reverter isso, professores recorrem aos exercícios físicos

12 de abril de 2023 12:24 pm Institucional

A turma de jiu-jitsu da Etec José Martimiano da Silva no tatame: sociabilidade e concentração | Foto: Divulgação

O retorno às atividades presenciais, uma vez controlada a pandemia de Covid-19, não foi tão simples para estudantes do Ensino Médio, numa fase da vida em que o convívio e as atividades físicas são essenciais. Era natural que a ansiedade, a dificuldade de readequação à escola e outras questões espinhosas se manifestassem entre os jovens. Para amenizar esses transtornos, diversas Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) apostaram na prática de esportes.

A atividade física vem demostrando que vai mesmo além de proporcionar aos seus adeptos um físico definido. Essa prática alivia a ansiedade, permite reflexos mais rápidos, torna o aluno mais focado e proporciona um ambiente em que as amizades – e, portanto, a integração dentro da escola – se revelam um dos seus resultados mais positivos. Para se manter nessas turmas, os estudantes precisam conquistar boas notas e um alto nível de frequência nas aulas da grade curricular. Veja como cinco Etecs estão driblando os obstáculos causados pelo distanciamento social.

Jiu-jitsu como forma de integração

Na Etec José Martimiano da Silva, de Ribeirão Preto, foi o jiu-jitsu que trouxe aos estudantes vários dos resultados descritos acima. Os que aderiram à prática receberam um incentivo a mais para subir novos degraus nessa arte marcial: no fim de fevereiro, na presença dos pais, 20 alunos ganharam seu primeiro quimono. A cerimônia teve ainda demonstrações do esporte e o depoimento da campeã mundial Bruna Ribeiro, uma das sócias do Strong Inside Jiu-Jitsu Studio, parceira da Etec na empreitada, que fez a doação das peças.

A prática teve início na unidade no segundo semestre de 2022, quando o professor Jeferson Queiroz, faixa preta e campeão mundial, decidiu dar aulas da modalidade nas tardes de sexta-feira – o único dia da semana em que a jornada dos alunos do Ensino Médio integrado ao Técnico (M-Tec PI) não é integral. João Gabriel Nunes, que cursa o 3º ano do curso de Eletrotécnica, foi um dos últimos a aderir ao programa. Até então um garoto tímido, ele conta: “Fiz uma aula depois de muita insistência de um amigo. Mesmo com dificuldade no início, insisti. Fiz novas amizades, me apaixonei pelo Jiu-jitsu e não quis mais sair.”

A Assessora Técnico-Administrativa da unidade Marina Rossini destaca outros aspectos. “As artes marciais controlam a ansiedade e ensinam respeito e disciplina. Para as meninas, a autodefesa é um benefício que pesa ainda mais nessa escolha.” Queiroz, que tem a colaboração do lutador faixa preta Lucas Vicentini nos treinos, reforça: “A prática melhora a autoconfiança e o autocontrole, além de promover a interação social”. A lista de benefícios é extensa, mas o professor resume de forma direta. “Quem luta não briga”. As mensagens que recebe dos pais dos alunos atestam que eles ficaram mais responsáveis, atentos e respeitosos.

A prática na escola, que começou com 12 adeptos, já conta com 62 estudantes em suas fileiras. E João Gabriel tem parte nesse crescimento. Ele é hoje um dos estudantes que percorrem as salas de aula para fazer com outros alunos o que aquele colega insistente fez com ele: falar do esporte e convencê-los a integrar as turmas do tatame.

O Krav Magá desenvolvendo habilidades

Na Etec Astor de Mattos Carvalho, de Cabrália Paulista, o coordenador pedagógico Wellington dos Santos Figueiredo apresentou aos estudantes o Krav Magá, prática de defesa pessoal desenvolvida em Israel.  “Trata-se de uma atividade que precisa de todo o corpo para ser executada. Ela melhora os reflexos, a coordenação motora, a flexibilidade, a postura, os níveis de atenção e a visão periférica”, enumera. E, o que faz muita diferença entre os estudantes: aumenta a confiança. “Defesa pessoal não é só combate. É saber evitar uma situação de risco”, diz Figueiredo. Isso significa que uma pessoa bem treinada tem a percepção apurada e é capaz de antever uma situação de perigo.

Ainda antes da pandemia, o professor já havia coordenado oficinas que aconteceram como atividade da Semana Cultural. “A regularidade é que é inédita”, avalia.

O diretor da unidade, Daniel do Carmo Camargo, lembra que os pais são sempre informados sobre esse curso extracurricular antes que os estudantes iniciem as atividades. E tem um bom argumento: “Queremos manter os alunos dentro da escola de forma sadia”, diz.

Vôlei, um trabalho de equipe

Bruno Grec Liberato, professor de Educação Físcica da Etec Júlio de Mesquita, de Santo André, vem conseguindo ótimos resultados com um esporte que ele tem em alta conta: o vôlei. “É um trabalho de equipe que estimula tanto a empatia quanto a liderança”, considera.

Os esportes, de maneira geral, sempre foram incentivados e implementados na unidade, e o vôlei, em especial, está na cultura da escola. Agora é ainda mais indispensável porque, segundo Bruno, os estudantes voltaram sedentários da pandemia. “Eles sentem necessidade de se integrar”, acredita o professor, hoje com 24 turmas que disputam torneios. Como as exigências para a permanência no grupo são os já citados bom rendimento e alta frequência, há os que se esforçam nas aulas para ingressar nos times e se manter neles, concorrendo em competições como os Jogos Escolares do Estado de São Paulo (Jeesp).

Do futsal ao xadrez

O professor de Educação Física José Calixto, da Etec Prefeito Alberto Feres, de Araras, já formava turmas de vários esportes ainda antes de 2020, o ano em que o mundo fechou. Desde então consegue patrocínio para os uniformes, bolas e equipamentos que os jovens usam em torneios entre Etecs: vôlei, fustsall, basquete, handball, tênis de mesa e vôlei de praia.  “Agora estamos retomando o que foi interrompido com a pandemia e já contamos com 170 alunos que permanecem na unidade depois que as aulas terminam: algumas turmas às 12h30, outras às 15 horas e uma última às 16 horas. Alunos dos vários cursos técnicos do período noturno, quando têm alguma disponibilidade, também integram as fileiras dos esportistas. O professor sabe que mesmo os jovens que não têm afinidade com a bola podem revelar outros talentos. Por isso, ele os encaminha para atividades igualmente eficazes, como canto ou xadrez.  

O trabalho é intenso, mas o retorno emocionado que Calixto recebe dos pais compensa o esforço. “Alguns me contam que os filhos já não ficam tanto tempo no computador e no celular; outros relatam casos de depressão que acabaram atenuados pelos exercícios”. Em breve, o rol de atividades deve aumentar. Contando com uma empresa do setor privado como parceira, uma quadra de areia está sendo construída para os adeptos do futetênis e do futevôlei.

O Yoga e a tranquilidade nas tarefas do dia

Uma modalidade de ensino que não faz parte na grade curricular foi implantada na Etec Prof. Basilides de Godoy, da Capital, de forma livre e voluntária. A instrutora Mônica Spada Durante formou, ainda no início do segundo semestre de 2022, uma turma de Yoga Clássico. A diretora da unidade, Carla Cristina Coutinho Garcia, ofereceu o auditório para a realização da prática e Mônica trouxe seu vasto currículo, que inclui uma série de workshops, seminários e congressos com disciplinas que vão da neurociência à radiestesia quântica, além de vários cursos de extensão universitária.

Um dos objetivos da atividade é acalmar a mente para que se possa realizar com tranquilidade as tarefas do dia a dia – e elas não faltam na vida de um estudante. Com tantas demandas a cumprir, entender que ele é capaz de ter o domínio sobre si já é um aprendizado valioso.

“Os alunos evoluem rapidamente no sentido de perceber as tensões, dissolvê-las e então entrar no fluxo natural da vida”, avalia a instrutora, ciente do desafio enfrentado por quem passou o fim da infância e o começo da adolescência isolado pela pandemia, sem colocar o corpo em movimento.

O conjunto de posturas, exercícios respiratórios e meditação que estruturam o Yoga tem muito mais ciência do que pode supor um observador mais distraído. Basta lembrar que ela foi incluída na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, por meio da portaria nº 849/2017 do Ministério da Saúde. “Estamos falando de algo muito concreto que é o funcionamento do nosso organismo”, diz Mônica.

As posturas também mandam um recado. A postura da prosperidade, por exemplo, coloca uma questão: o que eu tenho de melhor para dar ao mundo é algo de que o mundo precise? A postura do estudante fala da importância de estar aberto para receber o conhecimento, mas com uma atitude crítica, avaliando aquilo que tem e o que não tem valor. São, portanto, lições que reequilibram corpo e mente e ainda propõem reflexões fundamentais, especialmente importantes nessa fase da vida.

A resposta positiva da turma de cerca de 30 jovens estimulou a instrutora a continuar em 2023, agora com miniaulas no Instagram, que podem ser assistidas à distância. Na empreitada, a diretora Carla Cristina tem o incentivo não apenas dos alunos, mas também de seus pais. “São eles os que mais aprovam a prática”, avalia. “Eles notam seus filhos mais tranquilos”.

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